O clima já foi melhor
Por Carlos Magno
Coordenador de mobilização social do Centro Sabiá e alumni Fulbright na Cornell University. Mestre em Agroecologia, atua no semiárido com foco em clima, desenvolvimento rural sustentável e agroecologia

Não é novidade para ninguém que o clima tem mudado muito. É importante frisar que clima não é o mesmo que tempo ou temperatura — aquele que vemos pela telinha todas as noites nos telejornais. Nos últimos anos, inclusive, a pessoa responsável por essa parte do programa ganhou até o codinome “tempo”, como em “fulaninho do tempo”. Pois bem, isso é apenas uma informação daquele exato momento sobre as condições meteorológicas da atmosfera. É como um retrato daquele dia — e dos próximos —, com o qual a gente se planeja para ir à praia ou os agricultores pensam em como será o plantio nas semanas seguintes.
Por outro lado, o clima seria mais como uma série histórica das temperaturas, das chuvas, entre outros aspectos. Ele impacta a sociedade como um todo, muda a forma como lidamos com o ambiente ao nosso redor, altera a forma como o alimento é produzido e interfere no fluxo migratório de todos os seres vivos — sobretudo naqueles que “têm o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor”. Nascidos entre os anos 70 e 80 entenderão.
A mudança do clima é algo natural. Tanto que estudamos as eras geológicas e vimos que o planeta vai mudando ao longo de milhões de anos. O fato mais grave é que ele está mudando muito rápido — e justo na nossa vez. Quando digo “rápido”, me refiro a um planeta com mais de 4,5 bilhões de anos, e que só nos últimos 70 começamos realmente a nos preocupar com isso. Bom, os negacionistas de plantão podem dizer que essa mudança é absolutamente natural, mas esquecem que não existia exploração de petróleo antes de 1859, quando foi descoberto o primeiro poço nos Estados Unidos.
Ao longo deste período, ficou clara a relação entre essa exploração e a aceleração dessas mudanças. A emissão de dióxido de carbono e sua concentração na atmosfera fazem com que a energia do sol não seja dissipada, aumentando gradativamente a temperatura do planeta — como numa estufa, em que a luz entra e vai aquecendo. Não é à toa que, tecnicamente, esses gases são chamados de gases de efeito estufa.
Segundo relatório do Observatório do Clima, o Brasil é o sexto maior emissor de CO₂ do mundo, ficando atrás de grandes potências como China, Estados Unidos e Rússia. A grande diferença é que esses países emitem CO₂ para geração de energia — literalmente, estão queimando petróleo para gerar eletricidade. Já as nossas emissões estão concentradas na agropecuária, que representa 75% do total. É o agronegócio que tem desmatado e expandido a fronteira agrícola brasileira, aumentado a violência no campo e a contaminação dos solos com agrotóxicos, na busca por quebras de recordes de exportação ano após ano — e, claro, recordes de lucros para os empresários do agro e toda a sua cadeia de suprimentos, que inclui dezenas de multinacionais e, lamentavelmente, bancos públicos.
A situação ficou ainda mais dramática quando, em janeiro deste ano, o presidente recém-eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, tomou posse e derrubou qualquer possibilidade de seu país fazer algo em favor dessa “corrida climática”. Ele se elegeu com um bordão, no mínimo, vergonhoso: “Drill, baby, drill”, que em tradução literal significa “perfure, baby, perfure”, referindo-se às perfurações de novos poços de petróleo e gás nos EUA. Imediatamente após a posse, o presidente retirou o país do Acordo de Paris (da Conferência das Partes sobre o Clima) e começou a proibir cientistas americanos de pesquisarem nessa área, cortando recursos e fazendo pressão nas instituições. Os Estados Unidos têm uma influência direta sobre muitos países do mundo — incluindo o Brasil.
Olhando mais de perto, o Recife — uma das capitais brasileiras mais vulneráveis aos impactos da crise climática — está à beira de uma emergência silenciosa: a elevação do nível do mar ameaça transformar bairros inteiros em zonas inabitáveis até o fim do século. De acordo com estudo recente da UFPE, até 28 bairros da cidade poderão sofrer inundações frequentes em dias de sol, causadas pelo retorno da maré através da rede de drenagem urbana — um fenômeno conhecido como “inundação de dia de sol”. Áreas como Boa Viagem, Afogados, Imbiribeira e o polo médico da Ilha do Leite estão entre as mais vulneráveis, com previsão de alagamento de praticamente todas as suas ruas.
Em um cenário de aumento de 70 cm no nível do mar, previsto pelo do IPCC, bairros turísticos como o Recife Antigo, além de áreas residenciais densamente povoadas, terão parte significativa de sua malha urbana submersa. Esses impactos não apenas colocam em risco a segurança e a mobilidade da população, como também podem gerar prejuízos econômicos irreversíveis e comprometer o funcionamento de serviços essenciais da cidade. Mas percebam: estou falando de dias de sol. Combine isso com chuvas torrenciais, e talvez não tenhamos mais a cidade que conhecemos.
Somado a tudo isso — e como se não fosse suficiente —, o Senado Federal ou a “mãe de todas as boiadas”: o projeto de lei que irá flexibilizar o licenciamento ambiental. Na prática, é mais ou menos assim: “a raposa emite um certificado dizendo que as galinhas estarão seguras na companhia dela, e não há com o que se preocupar. Sendo assim, o dono do sítio não terá que se preocupar com burocracias e proteção das galinhas”. Está tudo dominado!
Esta minha primeira coluna bem que poderia ter sido sobre o São João — essa festa meio pagã, cheia de misticismos do solstício de verão misturados às tradições cristãs, com comidas de milho, colheitas, fogueira e nosso querer-bem sertanejo. Vou ficar devendo essa, mas pelo menos você poderá pensar que esse São João que a gente tanto ama também está ameaçado. E se isso não nos fizer lutar, talvez já tenhamos virado cinza antes da fogueira acender.
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